José Armando é pesquisador na área de teatro no ABC. Participou do CPC da UNE no início dos anos 1960 e trabalhou na Fundação das Artes (SCS) também com teatro. |
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Universidade Municipal de São Caetano do Sul, 31 de julho de 2003.
Núcleo de Pesquisas Memórias do ABC
Entrevistadores: Priscila F. Perazzo, Vanessa Guimarães de Macedo.
Transcritores: Meyri Pincerato, Marisa Pincerato e Márcio Pincerato.
Pergunta:
O senhor poderia começar dizendo sua data de nascimento, onde o senhor nasceu e um pouquinho da sua infância, como foi sua família, irmãos, pais, relacionamentos.
Resposta:
Eu nasci em 18 de março de 1938, em Itapira. Itapira é uma cidade do leste paulista, ali perto de Campinas, mas logo, muito cedo, eu saí de Itapira, porque minha mãe tinha uma grande vocação religiosa, então eu acabei sendo encaminhado para o seminário, e fiquei no seminário durante dez anos. Dez anos.
Pergunta:
O senhor foi com quantos anos para o seminário?
Resposta:
Eu fui com dez anos de idade e fiquei oito anos no seminário. Então, logo me afastei muito da família, porque naquela época o seminário era um sistema de internato, o ano inteiro, você ficava direto morando no seminário. Fazia o que seria correspondente hoje ao ginásio e ao científico, depois ia fazer o curso realmente de padre, que é filosofia e teologia. Eu cheguei até o segundo ano de filosofia, mas já era aqui em São Paulo. Primeiro foi em Campinas, durante seis anos eu estudei lá em Campinas. O seminário é uma vida muito diferente, ao mesmo tempo é um sistema que dá uma base humanística muito grande para a gente, em termos de estudo, porque se estuda muito, muito, porque não tem outra coisa para fazer, se estuda muito, se estuda latim com profundidade, se estuda grego, então dá uma base humanística muito grande. Quando eu saí do seminário, por volta de 1956, a grande opção para quem saía do seminário naquela época era fazer curso de direito, porque o curso de direito tinha no vestibular o latim e eu sabia latim de cor e salteado, então fui fazer direito, estudei direito em Campinas, onde também foi minha iniciação nessa área cultural. O seminário também te dá uma base cultural muito interessante, mas em Campinas, em contato com o pessoal de Campinas, com colegas e o movimento cultural da cidade naquela época, eu acabei me entrosando com o pessoal de artes, artistas plásticos, pessoal que gostava de cinema, de literatura, e comecei a escrever no jornal de Campinas nessa época, eles tinham dois jornais que existem até hoje, o Correio Popular e o Diário do Povo, e comecei a escrever nas páginas literárias desses jornais. Nessa época, também começou meu contato com cinema. Eu sempre fui, desde os tempos de infância, um fanático por cinema. Naquela época de infância adorava aqueles seriados que existiam, aqueles filmes de faroeste. Depois, no seminário, teve uma interrupção, porque no seminário não tinha tanto cinema, mas tinha de vez em quando também. Quando eu saí, eu voltei com uma fome, assim, de assistir cinema. Eu acho que eu assisti nos meados dos anos cinqüenta, anos sessenta, eu assistia praticamente a um filme por dia. Eu devo ter assistido a muitos filmes, não contei, mas era quase um por dia. E quando na faculdade também, no tempo da faculdade, Campinas tinha uns três ou quatro cinemas no centro da cidade, ia num dia em um cinema, no outro dia no outro, no outro dia em outro, passava a semana inteira indo a cinema. Era um divertimento barato para a gente que era estudante, duro, e para mim era muito bom. Então, foi uma fase que eu me apaixonei por cinema, e comecei a me interessar também pelo outro lado do cinema, não só o cinema como divertimento, como entretenimento, mas o cinema como uma linguagem, o cinema com conteúdo, as escolas de cinema, os estilos, comecei a ler muito a respeito etc. Eu sei que, como nessa época a gente é muito atrevido, em dois, três anos já estava dando conferências sobre cinema, estava apresentando filmes. A gente é muito atrevido quando é jovem. Terminando a faculdade eu vim para o ABC, a minha entrada aqui no ABC, como nós estávamos dizendo, o ABC naquela época era o eldorado do emprego. Aqui todo mundo vinha, porque tinha emprego para todo mundo. E um amigo meu que já estava aqui, trabalhava aqui, diz: Vem para cá, que arranja emprego. Mas onde eu moro? Não, você mora aqui no apartamento, tem um apartamento de um amigo, você fica aí no apartamento. E eu vim, com uma mala na mão, vim para o ABC, como todo mundo vinha. E realmente logo depois eu estava empregado.
Pergunta:
Na Rhodia?
Resposta:
É, foi o meu primeiro emprego. Comecei a trabalhar na Rhodia, mas ao mesmo tempo esse meu lado cultural eu não deixei. Eu não me lembro bem como é que descobriram que eu gostava de cinema, eu acho que comecei a escrever também no que hoje é chamado Diário do Grande ABC, não era Diário do Grande ABC naquela época, não existia o Diário do Grande ABC, antes do Diário do Grande ABC existia um semanário que se chamava New Seller, e os meus amigos que tinham me trazido para cá, um trabalhava no Última Hora, fiquei conhecendo um outro que trabalhava no O Estado de São Paulo, então comecei a me relacionar com o meio jornalístico do ABC. Naquela época existiam sucursais dos jornais de São Paulo no ABC, uma época que não era tudo informatizado ainda, com internet etc, então tinha sucursais. E com esse relacionamento nós acabamos fazendo, eu, Enoque Sacramento, José Pascoal Rosset, acabamos fazendo uma página de literatura e arte no New Seller, nesse semanário que precedeu o Diário do Grande ABC. E daí comecei a escrever alguma coisa sobre cinema, alguém ficou sabendo e me indicaram para uma pessoa, que era o dirigente do CPC, Centro de Cultura Popular de Santo André, que chamava-se Michael Rainner. Era um médico, médico do partido comunista, e naquela época o CPC desenvolvia um trabalho de política aliado à alfabetização e também tinha esse lado das artes, tanto é que o CPC da UNE do Rio de Janeiro, por exemplo, foi o berço do cinema novo, todos os cineastas que surgiram no cinema novo, Cacá Diegues, Joaquim Pedro de Andrade, Arnaldo Jabor, esses cineastas nasceram dentro do cineclube da UNE no Rio, o CPC da UNE. E aqui também o CPC queria ter um ramo cinematográfico, talvez quisesse reproduzir esse modelo lá do Rio de Janeiro. Aí o Michael me convidou para dar um curso de cinema na AUSA. A AUSA era a Associação dos Universitários de Santo André. Naquela época não existia ainda uma vida universitária da própria região. O pessoal todo estudava em faculdades de São Paulo, então, o ponto de reunião desse pessoal, que estudava em várias faculdades de São Paulo, direito, politécnica etc., era dessa associação dos universitários, que era na Oliveira Lima, no centro da cidade. E eu também muito arrogante fui lá dar um curso de cinema, seis ou sete aulas sobre diversos aspectos do cinema etc. Dali nasceu. O pessoal ficou muito entusiasmado, era uma época que esse movimento cineclubístico era muito forte, muito ativo e, além de ser muito ativo, era muito politizado, como tudo nesse período, anos 60, começo dos anos 60 até 1964, tudo era muito politizado, então a gente resolveu fazer o Núcleo de Estudos Cinematográficos que se chamava NEC, o Núcleo de Estudos Cinematográficos, e o NEC então, continuou fazendo ciclo de cinema italiano, ciclo de cinema francês e ciclo de cinema brasileiro. Teve uma atividade bastante intensa nesse período e eu era o presidente desse núcleo. Também a gente queria produzir cinema, queria fazer cinema. Todo cineclubista que se preza quer também produzir. Alguns acabam se tornando cineastas, a maioria fica no curta-metragem, como foi o meu caso. A gente então resolveu fazer cinema, nessa época tinha uma pessoa muito, muito interessante em Santo Andre, também muito interessado em cinema, que era o Aron Feldman. O Aron era uma pessoa que tinha máquina para filmar, tinha projetor, ele era a nossa infra-estrutura para fazer toda essa movimentação. E chegamos a fazer um documentário, com esse Núcleo de Estudos Cinematográficos, um documentário sobre um bairro de Santo André, o bairro Parque Erasmo Assunção, naquela época. Então fomos em um domingo lá, filmamos uma festa, o povo e tal. Tudo naquela época era muito de improviso, o improviso fazia parte do jogo. Então, o lema do cinema novo era: Uma idéia na cabeça e uma câmera na mão. Então não precisava mais nada. [risos] E a gente também achou que com uma idéia na cabeça e uma câmera na mão, ia fazer um filme lá no bairro. Não ficou, ficou uma coisa assim, sem nenhum valor, a não ser um valor documental hoje para quem quer saber como é que era um bairro, como esse bairro era antigamente, tem um valor, acho que documental, antropológico hoje. Depois eu fiz outro filme, que na verdade o Aron que dirigiu, e eu o ajudei a produzir esse filme, era um filme mais articulado que a gente fez na baixada santista, ali naquele bairro do Casqueiro, que é logo o primeiro bairro depois, de quem desce a serra, onde tinha uma molecada que vendia siri ali e a polícia perseguia esses moleques. Para sobreviver, eles tinham que pegar o siri e vender, e ao mesmo tempo tinham que fugir da polícia. Então, esse dilema social, a gente viu isso como um dilema social, chamou nossa atenção e a gente foi fazer um documentário sobre esses meninos lá do bairro do Casqueiro. Esse documentário o Aron já montou com muito mais cuidado, ficou bem feitinho, ele até chegou a circular esse documentário, foi mostrado no Estados Unidos, até no Japão, em festivais de documentários. Aí tem uma coisa. O meu interesse muda um pouco nesse período e eu vou mais para o lado do teatro. Eu divido minha atividade no Diário do Grande ABC, que terminando o New Seller abriu-se o Diário do Grande ABC e eu fui trabalhar no Diário como redator mesmo, como funcionário do jornal e aí fiz relação com o pessoal de teatro e comecei a me interessar mais por essa área. Logo depois se fundou o Grupo de Teatro da Cidade, do qual eu participei, que é o grupo do Petrin, da Sônia e, também o teatro amador naquela época era muito ativo aqui na região. Eu acabei sendo presidente da Federação de Teatro Amador, que era uma federação que pegava toda a região aqui do ABC. Então, meu interesse mudou um pouco e eu retorno, vamos dizer, ao cinema um pouco por convite de um aluno meu da Fundação das Artes. Eu dava aula na Fundação das Artes, e tinha um aluno lá, o Heitor Cappuzo, que diz que se apaixonou por cinema por minha causa, que eu o levei ao cinema. E o Heitor resolveu fazer um documentário aqui em São Caetano, e me convidou para dirigir o documentário junto com ele, e nós fizemos um documentário que se chamou O Estranho Sorriso, que é um documentário sobre a escola Anne Sulivan, aqui de São Caetano. Não sei se vocês conhecem, é uma escola para o que eles chamam duplo deficientes, crianças que têm deficiência de audição e de visão, algumas, deficiência absoluta, total, outras, deficiência parcial. Então, é um trabalho realmente fantástico o que eles fazem ainda, porque existe essa escola, naquela época era pioneira, a primeira no Brasil que tratava desse tipo de crianças, com esse tipo de problema, e a gente ficou muito tocado com essa história, com as pessoas que se dedicavam a essas crianças, porque é um tipo de aprendizado muito difícil. Quer dizer, a criança surda e cega, por ser completamente afastada de tudo o que existe no mundo, a comunicação de que ela tem é o tato, então ela se rasteja pelo chão como se fosse um animal, porque não tem... No momento em que eles conseguem fazer a criança ficar de pé, eles já fazem uma festa, uma comemoração. Quando conseguem fazer a criança se comunicar através de sinais, já é um feito imenso, mas para isso exige uma dedicação, quase um professor para cada aluno, é uma dedicação realmente fantástica, e nós ficamos tocados com aquele trabalho, com as pessoas que realizavam esse trabalho, e fizemos esse documentário lá. O documentário teve uma carreira muito bem sucedida. Nós enviamos o documentário para o Festival de Gramado, e no Festival de Gramado ele ganhou o primeiro prêmio de documentário.
Pergunta:
Isso em que ano foi?
Resposta:
Foi em 1981. Passou no festival internacional do MASP, que era realizado, ainda é realizado até hoje, foi para vários outros festivais, e foi exibido também nos cinemas, porque naquela época existia a obrigatoriedade do complemento nacional. Foi numa época em que existia uma lei que obrigava os cinemas a exibirem um curta-metragem nacional, sempre que houvesse um filme estrangeiro.
Pergunta:
Eram aqueles filmes no início?
Resposta:
Complemento nacional que chamavam. Então, como a gente não tinha dinheiro para fazer o acabamento do filme em 35mm, que é a bitola que se exige em cinema, a gente se associou a Embrafilme. Embrafilme fez uma cópia em 35mm e exibiu o filme por aí. O filme passou pelo Brasil todo. A gente não sabe exatamente por onde. Depois disso o prêmio que a gente tinha ganho nesse festival, que era material fotográfico, revelação, era um prêmio em espécie, dinheiro não tinha nada. Heitor fez um outro filme chamado Boa Noite, que é um filme também interessante que ele fez, lá na Fundação, com atores lá da Fundação das Artes. E a gente fez depois um terceiro documentário. Nesse eu participei só como produtor, ajudando. Um terceiro documentário chamado Pula Violeta, que era sobre um palhaço de Santo André chamado Estrimilique. Era um palhaço velho lá de Santo André, e tinha naquela época uns 80 anos e continuava trabalhando. A gente fez um filme sobre o Estrimilique. Então foi o meu retorno ao meio do cinema, um pouco mais levado pelo Heitor Cappuzo, que realmente era um menino muito entusiasmado, muito talentoso, tão talentoso que hoje ele está dando aula de cinema na Califórnia, nos Estados Unidos, na Universidade de Santa Mônica, e é diretor da escola de cinema da Universidade Federal de Minas Gerais.
Pergunta:
Como era o financiamento para vocês fazerem esses filmes todos?
Resposta:
Era um pouco feito na base do me arruma um dinheirinho. Eu punha um pouco, o Fausto Polesi pôs um pouco de dinheiro. O cinema naquela época era relativamente barato de se fazer, não era tão caro você fazer um filme de 16 mm, porque a gente sempre rodava em 16mm. O único que foi feito em 35mm, que foi copiado em 35mm foi esse, O Estranho Sorriso, mas foi feita copiagem pela Embrafilme. Não era realmente muito caro naquela época, depois encareceu muito a produção de filmes, tanto é que as pessoas, os amadores migraram para o vídeo, antigamente também existia o super-8, mas o super-8 também ficou uma coisa meio antiga, ninguém mais tinha máquina e filmadora, então era um pouco feito na base, a gente tinha que botar um pouco de dinheiro próprio, não teve nenhum financiamento, nenhuma entidade para esses filmes.
Pergunta:
Como era o Núcleo de Estudos Cinematográficos? Como era decidido o que fazer? Como era o relacionamento entre as pessoas? Como surgiu um filme dali?
Resposta:
O Núcleo lá em Santo André, na verdade, surgiu desse curso, como eu disse, que era lá na Associação dos Universitários. E a Associação dos Universitários ficou sendo um pouco a sede do Núcleo. A idéia nossa era produção, divulgação etc., mas no fim a coisa ficou um pouco só em exibição de filmes, e debates. A gente convidava o pessoal de fora às vezes, cineastas, críticos de São Paulo para vir aqui a Santo André debater filmes. A coisa tomou um tal vulto que acabou sendo encampado um pouco pela Secretaria de Cultura na época. Na época, o Secretário de Cultura, uma das pessoas que trabalhavam na Secretaria de Cultura, era o Müller de Paiva e Silva. O Müller era uma pessoa muito ligada a essa área também, e ele abriu as portas, por exemplo, da biblioteca, para a gente exibir filmes lá na biblioteca, não era essa biblioteca hoje do Centro Cívico, era uma biblioteca que existia ainda lá na Alfredo Fláquer, foi mais um ponto para a gente exibir filmes, exibimos filmes em sociedade amigos de bairro. A gente achava que era um pouco omissão levar o cinema brasileiro a todos, para todas as pessoas etc. E fomos à sociedade de amigo de bairro, e eu dei um curso de cinema aqui em São Caetano, no ACASCS, que era uma associação que tinha aqui em São Caetano também, então era uma movimentação mais de exibição e debate em torno dos filmes. Fizemos um grande festival de cinema brasileiro, não sei exatamente se foi em 1967, 1966, 1967, que a cinemateca brasileira fornecia os filmes, e a gente projetou em vários lugares da cidade. Filmes brasileiros novos, alguns filmes antigos, históricos. Havia um grande entusiasmo em torno do cinema brasileiro. Era a época que estava nascendo, que estava acontecendo o cinema novo, que estavam aparecendo novos diretores, Glauber Rocha, se destacando Nelson Pereira dos Santos, Arnaldo Jabôr, Cacá Diegues, Joaquim Pedro de Andrade, Leon Irshiman, todos esses cineastas estavam surgindo nesse período, e havia um grande interesse, porque era uma nova linguagem do cinema brasileiro que se estabelecia. O cinema brasileiro que a gente conhecia naquela época, antes do cinema novo, era o cinema da Vera Cruz, que foi um ciclo que acabou, que teve muito pouco tempo, foi de mais ou menos dez anos, que se encerrou em 1954, que era um filme de estilo europeu, com os roteiros com histórias um pouco sobre a burguesia, uma visão não brasileira do autor. Hoje a gente vê que tem muita coisa da Vera Cruz também que é interessante, mas naquela época a gente tinha um grande preconceito contra a Vera Cruz. Era um cinema que não deu certo, porque quiseram fazer um Hollywood brasileira em São Bernardo do Campo, e foi tudo para o brejo, porque eles não tinham um sistema de distribuição. Eles achavam que era só produzir cinema e pronto, e quem distribuía seus filmes eram os americanos, essas companhias distribuidoras americanas. Do outro lado, tinha o cinema da Atlântida, a chanchada carnavalesca da Atlântida, que também a gente naquela época repelia como uma coisa de segunda categoria. Hoje, dentro de uma visão mais de dentro da história, a gente vê que todas essas manifestações tiveram valor, significaram alguma coisa, representaram uma época brasileira, um pensamento, um sentimento brasileiro desse período. Mas naquela época a gente queria coisa nova, queria um cinema político, porque todo mundo, principalmente a juventude estava imbuída muito numa mudança política que a gente pensava que ia acontecer no dia seguinte. A gente achava que o Brasil se transformaria em um país socialista no mês seguinte e, quem sabe por milagre, um anjo desceria e transformaria o país. A coisa era tão utópica, que tem uma coisa que eu conto em um dos livros meus, que logo depois da Revolução de 1964, aconteceram dois fatos muito próximos comigo. Primeiro, eu morava em uma pensão, um apartamento, dividia um apartamento, e um dia às quatro da manhã bateu lá a polícia para pegar um dos meus colegas de apartamento e levar para o DOPS, porque ele tinha sido considerado um guerrilheiro do ABC. Achavam que eles estavam fazendo treinamento de guerrilha em Paranapiacaba. Não estava fazendo coisa nenhuma. E a polícia entrou, invadiu assim o apartamento à procura de armas, achando que ia encontrar um arsenal lá, e a única coisa que tinha lá era um facão velho, que alguém tinha deixado no apartamento em uma ocasião. E esse amigo foi processado na auditoria militar, correu o processo, no fim foram liberados porque realmente viram que não ofereciam nenhum risco. Mas outro fato dessa época, para vocês terem um pouco a idéia assim do clima político, logo depois da revolução, uns dois dias depois, uma pessoa que era da cinemateca brasileira e tinha relações com a gente por causa dessas exibições de filmes, me telefonou: Olha, reúna seus amigos, que eu tenho uma mensagem muito importante. Eu reuni meia dúzia de amigos, chegaram no mesmo dia à tarde, em um bar assim meio escondido, o clima estava pesado, e ela falou: Eu queria saber que armas vocês têm. Que arma?! Nem canivete a gente tinha. Então, achávamos que o Brasil seria transformado politicamente um pouco por milagre. Bom, é mais ou menos isso.
Pergunta:
Vocês sofreram algo mais assim da repressão nesse período, censura? Como era com relação a esses filmes?
Resposta:
Logo depois da Revolução de 1964, quer dizer, é claro que existia já um outro regime político, mas a censura era ainda muito leve. O próprio regime militar, no tempo do Castelo Branco, era um regime militar, mas era um regime que respeitava certas liberdades etc., tanto é que durante esse período, até 1968, há um grande movimento de protesto, de querer dar a volta no jogo. É quando acontecem as passeatas. Passeata dos cem mil no Rio de Janeiro, as passeatas aqui em São Paulo, as lideranças estudantis que se projetam nesse período, José Dirceu, José Travassos, eram líderes estudantis que falavam e iam para a rua, grande movimentação. Tudo isso acontece depois da Revolução de 1964. Agora, quando o governo viu que a coisa estava realmente quente, aí tem um golpe no golpe, que foi o Ato Institucional número 5. A partir daí as coisas ficaram realmente pretas. E realmente foi uma repressão muito forte, e as pessoas, os mais radicais, vão para a luta armada. Quando nasce esse movimento de luta armada, outros se exilam, grande parte se exila, e a maior parte fica quieta.
Pergunta:
Como vocês tentam driblar, na hora da produção do cinema ou no teatro, não sei se nesse momento o senhor atuou no teatro, como vocês tentam driblar esse fechamento?
Resposta:
Eu acho que toda a arte nesse período, se analisar a arte nesse período dos anos 70, é uma arte muito metafórica. É uma arte que fala por alegorias. O teatro, o cinema, a própria literatura. E não podia fazer nada direto contra o regime, então se falava através de metáforas, contava uma história do século passado, mas queria-se dizer, queria-se falar do momento. Por exemplo, a gente fez, no Grupo Teatro da Cidade, várias peças históricas, fez uma peça chamada O Evangelho, segundo Zebedeu, que era sobre os Canudos, fez uma peça sobre Aleijadinho, que era sobre a inconfidência mineira, mas através dessas metáforas históricas o que a gente queria falar realmente sobre o momento, aquele momento, sobre a luta pela liberdade, a importância da pessoa poder se expressar, tudo isso estava meio implícito nessas histórias, mas não falavam daquele momento. O teatro fez falar de cinema, o cinema também, também ficou uma linguagem muito metafórica, você vê um filme, por exemplo, Asilo Muito Louco, de Nelson Pereira dos Santos, que é baseado naquele conto de Machado de Assis, O Alienista, e você fala: Bom, mas que filme mais esquisito esse que você citou, porque não fala nada diretamente, é tudo sugerido, é tudo simbolizado. Mas é, justamente por causa dessa razão, não se podia falar nada diretamente.
Pergunta:
Vocês acreditavam que fazendo produção do teatro ou cinema vocês estavam também fazendo a sua luta, diferente de quem estava fazendo a guerrilha, mas um tipo de luta. Como o senhor avalia isso hoje? O senhor acha que realmente vocês entraram pela sociedade? Eles entendiam esses símbolos, essas metáforas?
Resposta:
Eu acho que o teatro e o cinema mantiveram aceso um sentido de liberdade. Quer dizer, a coisa mais curiosa nesse período, se você analisar, um pensador refletiu a esse respeito, a direita apesar de ter ficado no poder durante quase vinte anos, praticamente não conseguiu consolidar um pensamento político. Não existe um pensamento de direita no Brasil, existe uma ação de direita, eles fizeram, tomaram medidas, mas não conseguiram uma ideologia, formar uma ideologia de direita. Então, a esquerda sempre se manteve tentando botar o nariz para fora da água, tentando falar, debater, se comunicar, das formas possíveis que existiam nesse período. Graças a isso é que você chega a um momento em que o regime militar sente que não tem mais condições de se manter. O governo militar se abre, um pouco porque não sabiam mais o que fazer com o abacaxi, mas um pouco também porque existia muita pressão, por anistia, pressão por liberdade de expressão, tudo isso. Então, as artes se mantiveram nesse período numa posição sempre de resistência. Alguns pagaram caro esse preço dessa resistência. A fundadora do Grupo de Teatro de Santo André, que é Heleni Guariba, é uma das desaparecidas políticas, que dizer, uma pessoa que desapareceu, em 1971, e nunca mais ninguém soube onde, quando, em que circunstância. Outros se exilaram, outros sobreviveram, muitos não sobreviveram nessa luta, mas foi graças a isso que se manteve a vontade política de um Brasil diferente, de um Brasil livre.
Pergunta:
O senhor teve alguma participação no teatro, na Sociedade de Cultura Artística, no teatro de alumínio?
Resposta:
Eu não tive uma participação direta lá. A Sociedade de Cultura Artística foi fundada em 1954, se eu não me engano, quer dizer, ela é bem mais anterior à minha vinda aqui para o ABC. Eu conheci depois o pessoal da Sociedade de Cultura Artística. Até aconteceu uma coisa muito interessante: a pessoa que era mais ligada à sociedade de cultura artística, era Antonio Chiarelli, que foi o cara que fundou a sociedade, que manteve o teatro amador em Santo André ativo por muitos anos, e um dia ele ficou muito amigo meu, era muito amigo do Chiarelli, e um dia eu vou à casa dele e ele já estava meio velho, estava um pouco decepcionado com as coisas, foi uma fase muito difícil na vida dele, do ponto de vista pessoal também, ele tinha uma loja de comércio pequena que naquela época já não tinha muito futuro, e ele me chamou no fundo da casa dele e falou: Zé, eu tenho umas caixas aqui com coisas do teatro, você quer para você? Eu quero. Ah! então leva. Eu peguei uma caixa assim cheia de papel, programa, levei aquilo para casa e comecei a ver o que era, e era a história do teatro de Santo André. Estava naquelas caixas. E foi baseado nesses documentos que eu escrevi o meu primeiro livro. Eu escrevi um livro sobre o teatro em Santo André, de 1944 a 1968. Eu peguei aquele material, limpei, cataloguei, baseado naquilo fui pesquisar outras coisas, e consegui levantar tudo o que se fez no teatro de Santo André, de 1944 até 1968. Pode ter escapado alguma coisa, mas é difícil.
Pergunta:
Fala um pouquinho da sua trajetória também no teatro. Como foi? Somando também a essa questão do teatro, o senhor poderia falar um pouquinho do tempo em que o senhor foi presidente da Federação de Teatro Amador? A gente também teve a entrevista da dona Lúcia Vezzá, foi antes ou depois?
Resposta:
Foi depois da Lúcia, eu substitui a Lúcia. Eu a substituí. Depois da Lúcia, eu fui o presidente da Federação. O teatro amador era muito ativo naquele período, existiam muitos grupos em Santo André, em São Caetano, em São Bernardo, até na cidade de Diadema às vezes aparecia um outro grupo, Ribeirão Pires, mas os mais fortes eram Santo André, São Caetano e São Bernardo. E naquela época existia uma estrutura estadual de apoio ao teatro amador, não sei se a Lúcia mencionou isso, chamava-se Confederação Estadual de Teatro Amador. Essa confederação proporcionava meios financeiros para esses grupos montarem espetáculos. Não eram verbas fantásticas, vamos dizer que desse cinco mil reais para um grupo montar uma peça, dava para você fazer a produção da peça, comprar material para fazer figurino, cenário, essas coisas, e além desse apoio financeiro para a produção das peças, eles proporcionaram duas outras coisas: eles contratavam profissionais que iam ao interior, às cidades do interior, isso era no Estado de São Paulo inteirinho, iam para o interior e davam cursos para os grupos de teatro amador, para melhorar o nível desses grupos, e anualmente eles realizavam o Festival Estadual de Teatro Amador, que reunia elencos do Estado de São Paulo inteirinho. Agora, isso era feito em três fases e muito bem organizado. Primeiro tinha a fase regional, quer dizer, aqui, por exemplo, o Estado era dividido em várias regiões, o ABC era uma região, baixada santista era outra região, São Paulo, a cidade de São Paulo era outra região, Ribeirão Preto e Alta Mogiana era outra região, Campinas, e assim por diante. Então se realizava o festival regional, depois várias regiões, três ou quatro regiões, os melhores das três ou quatro regiões faziam outro festival, e dessa semifinal saía a final com os melhores do Estado, e dessa era escolhida a melhor peça do Estado de São Paulo. Santo André ganhou duas ou três vezes o prêmio de melhor espetáculo amador do Estado de São Paulo, Santo André ganhou. Então, foi nesse período, que foi um período muito bom, que apareceram bons diretores aqui, que organizaram os grupos, Jonas Bloch foi um, Roberto Linhati foi outro diretor, depois teve o Delso Mostasso. Então, isso daí proporcionou realmente uma elevação do nível do teatro amador nesse período. E tinha uma outra coisa no teatro amador aqui que é muito interessante de dimensionar. Eu estava falando dessa questão da censura, da política etc. O teatro amador, como era menos visível, às vezes ele era mais ousado que o teatro profissional, em matéria de denúncia política, em matéria de idéias políticas, porque o teatro profissional, se alguém fizesse em São Paulo, claro que chamaria muita atenção, mas como o teatro amador faz a coisa meio escondida, apesar que naquela época existia a obrigatoriedade da censura, você fazia o espetáculo, antes de você fazer o espetáculo para o público, você fazia o espetáculo para o censor, o censor vinha, sentava sozinho, você fazia o espetáculo, ele fazia a censura do espetáculo, proibia ou deixava para tantos anos, etc., além de se ter feito, antes disso era feita a censura do texto. Quando você queria montar um espetáculo, a primeira providência que você fazia, era mandar o texto para a censura, aí vinha o texto censurado dizendo: Proibido, ou senão, para maiores de dezoito, para maiores de catorze, senão livre. Aconteceu com o Grupo de Teatro da Cidade, em uma ocasião o grupo resolveu montar um espetáculo, e não só montar o espetáculo, como também escrever em conjunto o espetáculo, fazer uma criação coletiva. Então se pensou o que seria o assunto mais interessante, e por alguma razão surgiu a idéia de fazer um espetáculo sobre a Revolução de 1932, Revolução Constitucionalista de 1932. Então a gente chamou, todo mundo participava, todo mundo leu a respeito, trouxe histórias, pesquisou, e chamamos um dramaturgo, naquela época muito conhecido, Carlos Queiroz Teles, para fazer uma redação final dessa história, fazer uma peça. E ele pegou uma idéia aqui, outra lá, outras idéias dele mesmo, e escreveu uma peça sobre a Revolução de 1932. Chamava-se A Heróica Pancada. Aí a primeira providência, manda-se a peça para Brasília. Voltou totalmente vetada, porque era uma peça que falava muito de Getúlio Vargas, Getúlio era o personagem principal da Revolução de 1932, e evidentemente o Getúlio era uma figura, o Getulhismo era uma coisa meio visada durante o governo militar, porque o Jango, que tinha sido derrubado pelo governo militar, tinha sido um sucessor do Getúlio, de certa forma. Então veio totalmente vetada a peça. O teatro amador tinha essa vantagem, falar um pouco, com um pouco mais de liberdade para uma platéia diferente, uma platéia não de um grande público, mas fazia seu trabalho nos bairros, nas escolas, nos festivais. Era um movimento muito bem organizado. Por volta de 1978, houve uma crise nessa organização, e eu estava afastado, e eu sei que tiraram a pessoa que era o cabeça dessa Confederação, que era o Carlos Pinto, que por sinal hoje é o Secretário de Cultura da cidade de Santos. O Carlos Pinto foi afastado porque fizeram uma política lá, achavam que ele era um cara que estava muito tempo no cargo, que nunca mudava, e saiu. Ele saiu e se desarticulou esse movimento estadual, se desarticulou completamente. O teatro amador continua a existir, mas não com essa característica, era muito enriquecedor, porque você tinha a possibilidade de ver um espetáculo feito em São José do Rio Preto, eles viam um feito aqui em Santo André, via do pessoal de Santos, do pessoal de Ribeirão, de Marília, de Bauru, do estado de São Paulo inteirinho. A gente ia a esses festivais e era muito animado também para a gente, era um grande programa. Você ia lá naqueles festivais, muito do jeitão estudantil, ficava hospedado daquele jeito que estudante fica, mas valia a pena porque era muito gostosa essa convivência desse meio estudantil. Até houve um ano que Santo André tinha ganho o melhor espetáculo do Estado, que foi um espetáculo chamado As Aventuras de Ripió Lacraia, era uma peca do Chico de Assis, dirigida pelo Jonas Bloch, eu acho que era a Fundacen, não tenho certeza se era a Fundacen, organização do governo, organizou em Fortaleza os melhores do Brasil. Então, foram os melhores espetáculos de cada Estado. Imaginem a gente ter a possibilidade de ver espetáculo do Brasil inteiro. Tinha esse intercâmbio. Hoje existem festivais, como o de Londrina, que é muito famoso, existe o festival de teatro de Rio Preto, existe até hoje, mas lá já é uma outra característica, eles convidam espetáculos, são espetáculos profissionais na maioria, não existe nada parecido no teatro amador, que eu conheça.
Pergunta:
O senhor participou daquele festival de Buenos Aires? O senhor estava no grupo? Podia contar como foi?
Resposta:
Eu estava no grupo. Eu não podia ir ao festival, porque eu trabalhava na época e não podia me afastar. Mas eu participei, quer dizer, participei de todos os encaminhamentos para o festival nessa época, mas não fui, eu não fui a Buenos Aires.
Pergunta:
Fala um pouco do seu trabalho hoje, depois do cinema, depois do teatro. Como estão o teatro e o cinema hoje em sua vida?
Resposta:
Eu acabei como todo cara que começa a trabalhar, achava que eu podia fazer sempre as duas coisas. Fazer, ter a minha vida profissional, que me desse uma certa estabilidade econômica, e ter a vida, a minha vida de jornalismo, de teatro, cinema etc. Durante um certo tempo eu consegui manter essa dualidade. Eu cheguei uma época, por exemplo, a trabalhar na Firestone. Trabalhei na Firestone depois que saí da Rhodia, lá na Firestone até as seis da tarde, saía da Firestone ia para o Diário do Grande ABC, trabalhava no Diário do Grande ABC das seis até meia-noite. Quer dizer, quando você tem vinte e poucos anos você tem fôlego para isso. Depois você vai se envolvendo na vida profissional, e eu acabei um pouco consumido muito pela minha própria vida profissional. Mas quando eu resolvi parar, eu voltei a mexer com teatro mais diretamente. Eu fui fazer pós-graduação, mestrado em teatro, eu morava no Rio nessa época, eu fui fazer mestrado de teatro na UNIRIO. Fiz o mestrado de teatro na UNIRIO, e aliás, a minha dissertação do mestrado foi sobre o Grupo Teatro da Cidade, era até um assunto que eu conhecia bem, que eu dominava bem, então foi sobre o Grupo Teatro da Cidade. Voltei do Rio, e na verdade eu mudo um pouco, meus interesses mudam um pouco, vocês próprias viram pela entrevista. Eu já estive em cinema, teatro, comecei com literatura, é uma certa inquietação. Tem um amigo meu que diz que quem tem sete instrumentos não tem nenhum. Acho que é o meu caso. Mas eu sempre gostei também de artes plásticas, eu sempre gostei muito de artes plásticas e resolvi fazer, e agora estou fazendo um mestrado na USP de história da arte, e escrevi um livro sobre um artista plástico de Santo André, organizei um livro, que é o Guido Poianas, é um artista muito interessante de Santo André, é um artista popular, que pintou a cidade, os recantos da cidade, e a pintura dele é quase que um documentário das transformações urbanas de Santo André. Agora terminei um livro sobre um outro pintor, que é também de Santo André, por acaso, sempre estou ligado a Santo André, acho que esse daí é meu destino, meus filhos todos nasceram em Santo André, e terminei um livro sobre o João Suzuki, que é um pintor, é um nissei, mas mora em Santo André há muitos anos, mora há quase quarenta anos em Santo André ou mais, e estou escrevendo um outro livro agora sobre um pintor de Campinas, trabalhando em uma outra pesquisa, estou pesquisando, que eu também, quando estive em Campinas, quando estudei lá, tive muito contato com os pintores do grupo Vanguarda, que é um grupo que se tornou muito importante lá em Campinas, e a minha dissertação na USP vai ser sobre esse grupo de Campinas, com foco em um determinado pintor do grupo. Então, é isso o que eu estou fazendo agora.
Pergunta:
O senhor pode dizer que vive dos seus livros?
Resposta:
É, não vivo bem dos meus livros, mas vivo nos livros, fazendo os meus livros. [risos]
Pergunta:
Tem alguma coisa que o senhor queira deixar registrado sobre o seu trabalho? Para fechar a sua entrevista, o senhor poderia deixar uma mensagem ou alguma coisa com que o senhor queira fechar o depoimento?
Resposta:
Não, nada específico não. [risos] Não tenho nada a declarar aos jovens. [gargalhadas] O que você diria aos jovens? [gargalhadas]
Pergunta:
Alguma coisa a mais que o senhor queira falar, que não falou?
Resposta:
Não, acho que foi bastante, a gente cobriu várias atividades. Eu acho que, se eu faço um balanço da minha vida, eu tenho um certo arrependimento às vezes, mas essas coisas não têm muito um sentido. Se eu tivesse me dedicado talvez mais diretamente a esses assuntos, não me tivesse dividido tanto, talvez eu pudesse ter produzido mais coisas. Então, a mensagem para os jovens que eu deixaria é que não deve ter medo das coisas que a gente gosta de fazer. Acho que tem que se lançar, tem que se lançar e fazer mesmo. Eu apóio muito os jovens que se lançam com muita coragem em atividades que nem sempre dão um retorno imediato, um retorno econômico muito garantido. Mas acho que a pessoa que é persistente, se for boa, faz. Então, eu penso às vezes: eu não fiz porque eu não devia ser muito bom, então por isso que eu não fiz.
Universidade Municipal de São Caetano do Sul, 31 de julho de 2003.
Núcleo de Pesquiosas Memórias do ABC
Entrevistadores: Priscila F. Perazzo e Vanessa Guimarães de Macedo
Transacritores: Meyri Pincerato, Marisa Pincerato e Márcio Pincerato.
Pergunta: O senhor poderia começar dizendo sua data de nascimento, onde o senhor nasceu e um pouquinho da sua infância, como foi sua família, irmãos, pais, relacionamentos.
Resposta:
Eu nasci em 18 de março de 1938, em Itapira. Itapira é uma cidade do leste paulista, ali perto de Campinas, mas logo, muito cedo, eu saí de Itapira, porque minha mãe tinha uma grande vocação religiosa, então eu acabei sendo encaminhado para o seminário, e fiquei no seminário durante dez anos. Dez anos.
Pergunta: O senhor foi com quantos anos para o seminário?
Resposta:
Eu fui com dez anos de idade e fiquei oito anos no seminário. Então, logo me afastei muito da família, porque naquela época o seminário era um sistema de internato, o ano inteiro, você ficava direto morando no seminário. Fazia o que seria correspondente hoje ao ginásio e ao científico, depois ia fazer o curso realmente de padre, que é filosofia e teologia. Eu cheguei até o segundo ano de filosofia, mas já era aqui em São Paulo. Primeiro foi em Campinas, durante seis anos eu estudei lá em Campinas. O seminário é uma vida muito diferente, ao mesmo tempo é um sistema que dá uma base humanística muito grande para a gente, em termos de estudo, porque se estuda muito, muito, porque não tem outra coisa para fazer, se estuda muito, se estuda latim com profundidade, se estuda grego, então dá uma base humanística muito grande. Quando eu saí do seminário, por volta de 1956, a grande opção para quem saía do seminário naquela época era fazer curso de direito, porque o curso de direito tinha no vestibular o latim e eu sabia latim de cor e salteado, então fui fazer direito, estudei direito em Campinas, onde também foi minha iniciação nessa área cultural. O seminário também te dá uma base cultural muito interessante, mas em Campinas, em contato com o pessoal de Campinas, com colegas e o movimento cultural da cidade naquela época, eu acabei me entrosando com o pessoal de artes, artistas plásticos, pessoal que gostava de cinema, de literatura, e comecei a escrever no jornal de Campinas nessa época, eles tinham dois jornais que existem até hoje, o Correio Popular e o Diário do Povo, e comecei a escrever nas páginas literárias desses jornais. Nessa época, também começou meu contato com cinema. Eu sempre fui, desde os tempos de infância, um fanático por cinema. Naquela época de infância adorava aqueles seriados que existiam, aqueles filmes de faroeste. Depois, no seminário, teve uma interrupção, porque no seminário não tinha tanto cinema, mas tinha de vez em quando também. Quando eu saí, eu voltei com uma fome, assim, de assistir cinema. Eu acho que eu assisti nos meados dos anos cinqüenta, anos sessenta, eu assistia praticamente a um filme por dia. Eu devo ter assistido a muitos filmes, não contei, mas era quase um por dia. E quando na faculdade também, no tempo da faculdade, Campinas tinha uns três ou quatro cinemas no centro da cidade, ia num dia em um cinema, no outro dia no outro, no outro dia em outro, passava a semana inteira indo a cinema. Era um divertimento barato para a gente que era estudante, duro, e para mim era muito bom. Então, foi uma fase que eu me apaixonei por cinema, e comecei a me interessar também pelo outro lado do cinema, não só o cinema como divertimento, como entretenimento, mas o cinema como uma linguagem, o cinema com conteúdo, as escolas de cinema, os estilos, comecei a ler muito a respeito etc. Eu sei que, como nessa época a gente é muito atrevido, em dois, três anos já estava dando conferências sobre cinema, estava apresentando filmes. A gente é muito atrevido quando é jovem. Terminando a faculdade eu vim para o ABC, a minha entrada aqui no ABC, como nós estávamos dizendo, o ABC naquela época era o eldorado do emprego. Aqui todo mundo vinha, porque tinha emprego para todo mundo. E um amigo meu que já estava aqui, trabalhava aqui, diz: Vem para cá, que arranja emprego. Mas onde eu moro? Não, você mora aqui no apartamento, tem um apartamento de um amigo, você fica aí no apartamento. E eu vim, com uma mala na mão, vim para o ABC, como todo mundo vinha. E realmente logo depois eu estava empregado.
Pergunta: Na Rhodia?
Resposta:
É, foi o meu primeiro emprego. Comecei a trabalhar na Rhodia, mas ao mesmo tempo esse meu lado cultural eu não deixei. Eu não me lembro bem como é que descobriram que eu gostava de cinema, eu acho que comecei a escrever também no que hoje é chamado Diário do Grande ABC, não era Diário do Grande ABC naquela época, não existia o Diário do Grande ABC, antes do Diário do Grande ABC existia um semanário que se chamava New Seller, e os meus amigos que tinham me trazido para cá, um trabalhava no Última Hora, fiquei conhecendo um outro que trabalhava no O Estado de São Paulo, então comecei a me relacionar com o meio jornalístico do ABC. Naquela época existiam sucursais dos jornais de São Paulo no ABC, uma época que não era tudo informatizado ainda, com internet etc, então tinha sucursais. E com esse relacionamento nós acabamos fazendo, eu, Enoque Sacramento, José Pascoal Rosset, acabamos fazendo uma página de literatura e arte no New Seller, nesse semanário que precedeu o Diário do Grande ABC. E daí comecei a escrever alguma coisa sobre cinema, alguém ficou sabendo e me indicaram para uma pessoa, que era o dirigente do CPC, Centro de Cultura Popular de Santo André, que chamava-se Michael Rainner. Era um médico, médico do partido comunista, e naquela época o CPC desenvolvia um trabalho de política aliado à alfabetização e também tinha esse lado das artes, tanto é que o CPC da UNE do Rio de Janeiro, por exemplo, foi o berço do cinema novo, todos os cineastas que surgiram no cinema novo, Cacá Diegues, Joaquim Pedro de Andrade, Arnaldo Jabor, esses cineastas nasceram dentro do cineclube da UNE no Rio, o CPC da UNE. E aqui também o CPC queria ter um ramo cinematográfico, talvez quisesse reproduzir esse modelo lá do Rio de Janeiro. Aí o Michael me convidou para dar um curso de cinema na AUSA. A AUSA era a Associação dos Universitários de Santo André. Naquela época não existia ainda uma vida universitária da própria região. O pessoal todo estudava em faculdades de São Paulo, então, o ponto de reunião desse pessoal, que estudava em várias faculdades de São Paulo, direito, politécnica etc., era dessa associação dos universitários, que era na Oliveira Lima, no centro da cidade. E eu também muito arrogante fui lá dar um curso de cinema, seis ou sete aulas sobre diversos aspectos do cinema etc. Dali nasceu. O pessoal ficou muito entusiasmado, era uma época que esse movimento cineclubístico era muito forte, muito ativo e, além de ser muito ativo, era muito politizado, como tudo nesse período, anos 60, começo dos anos 60 até 1964, tudo era muito politizado, então a gente resolveu fazer o Núcleo de Estudos Cinematográficos que se chamava NEC, o Núcleo de Estudos Cinematográficos, e o NEC então, continuou fazendo ciclo de cinema italiano, ciclo de cinema francês e ciclo de cinema brasileiro. Teve uma atividade bastante intensa nesse período e eu era o presidente desse núcleo. Também a gente queria produzir cinema, queria fazer cinema. Todo cineclubista que se preza quer também produzir. Alguns acabam se tornando cineastas, a maioria fica no curta-metragem, como foi o meu caso. A gente então resolveu fazer cinema, nessa época tinha uma pessoa muito, muito interessante em Santo Andre, também muito interessado em cinema, que era o Aron Feldman. O Aron era uma pessoa que tinha máquina para filmar, tinha projetor, ele era a nossa infra-estrutura para fazer toda essa movimentação. E chegamos a fazer um documentário, com esse Núcleo de Estudos Cinematográficos, um documentário sobre um bairro de Santo André, o bairro Parque Erasmo Assunção, naquela época. Então fomos em um domingo lá, filmamos uma festa, o povo e tal. Tudo naquela época era muito de improviso, o improviso fazia parte do jogo. Então, o lema do cinema novo era: Uma idéia na cabeça e uma câmera na mão. Então não precisava mais nada. [risos] E a gente também achou que com uma idéia na cabeça e uma câmera na mão, ia fazer um filme lá no bairro. Não ficou, ficou uma coisa assim, sem nenhum valor, a não ser um valor documental hoje para quem quer saber como é que era um bairro, como esse bairro era antigamente, tem um valor, acho que documental, antropológico hoje. Depois eu fiz outro filme, que na verdade o Aron que dirigiu, e eu o ajudei a produzir esse filme, era um filme mais articulado que a gente fez na baixada santista, ali naquele bairro do Casqueiro, que é logo o primeiro bairro depois, de quem desce a serra, onde tinha uma molecada que vendia siri ali e a polícia perseguia esses moleques. Para sobreviver, eles tinham que pegar o siri e vender, e ao mesmo tempo tinham que fugir da polícia. Então, esse dilema social, a gente viu isso como um dilema social, chamou nossa atenção e a gente foi fazer um documentário sobre esses meninos lá do bairro do Casqueiro. Esse documentário o Aron já montou com muito mais cuidado, ficou bem feitinho, ele até chegou a circular esse documentário, foi mostrado no Estados Unidos, até no Japão, em festivais de documentários. Aí tem uma coisa. O meu interesse muda um pouco nesse período e eu vou mais para o lado do teatro. Eu divido minha atividade no Diário do Grande ABC, que terminando o New Seller abriu-se o Diário do Grande ABC e eu fui trabalhar no Diário como redator mesmo, como funcionário do jornal e aí fiz relação com o pessoal de teatro e comecei a me interessar mais por essa área. Logo depois se fundou o Grupo de Teatro da Cidade, do qual eu participei, que é o grupo do Petrin, da Sônia e, também o teatro amador naquela época era muito ativo aqui na região. Eu acabei sendo presidente da Federação de Teatro Amador, que era uma federação que pegava toda a região aqui do ABC. Então, meu interesse mudou um pouco e eu retorno, vamos dizer, ao cinema um pouco por convite de um aluno meu da Fundação das Artes. Eu dava aula na Fundação das Artes, e tinha um aluno lá, o Heitor Cappuzo, que diz que se apaixonou por cinema por minha causa, que eu o levei ao cinema. E o Heitor resolveu fazer um documentário aqui em São Caetano, e me convidou para dirigir o documentário junto com ele, e nós fizemos um documentário que se chamou O Estranho Sorriso, que é um documentário sobre a escola Anne Sulivan, aqui de São Caetano. Não sei se vocês conhecem, é uma escola para o que eles chamam duplo deficientes, crianças que têm deficiência de audição e de visão, algumas, deficiência absoluta, total, outras, deficiência parcial. Então, é um trabalho realmente fantástico o que eles fazem ainda, porque existe essa escola, naquela época era pioneira, a primeira no Brasil que tratava desse tipo de crianças, com esse tipo de problema, e a gente ficou muito tocado com essa história, com as pessoas que se dedicavam a essas crianças, porque é um tipo de aprendizado muito difícil. Quer dizer, a criança surda e cega, por ser completamente afastada de tudo o que existe no mundo, a comunicação de que ela tem é o tato, então ela se rasteja pelo chão como se fosse um animal, porque não tem... No momento em que eles conseguem fazer a criança ficar de pé, eles já fazem uma festa, uma comemoração. Quando conseguem fazer a criança se comunicar através de sinais, já é um feito imenso, mas para isso exige uma dedicação, quase um professor para cada aluno, é uma dedicação realmente fantástica, e nós ficamos tocados com aquele trabalho, com as pessoas que realizavam esse trabalho, e fizemos esse documentário lá. O documentário teve uma carreira muito bem sucedida. Nós enviamos o documentário para o Festival de Gramado, e no Festival de Gramado ele ganhou o primeiro prêmio de documentário.
Pergunta: Isso em que ano foi?
Resposta:
Foi em 1981. Passou no festival internacional do MASP, que era realizado, ainda é realizado até hoje, foi para vários outros festivais, e foi exibido também nos cinemas, porque naquela época existia a obrigatoriedade do complemento nacional. Foi numa época em que existia uma lei que obrigava os cinemas a exibirem um curta-metragem nacional, sempre que houvesse um filme estrangeiro.
Pergunta: Eram aqueles filmes no início?
Resposta:
Complemento nacional que chamavam. Então, como a gente não tinha dinheiro para fazer o acabamento do filme em 35mm, que é a bitola que se exige em cinema, a gente se associou a Embrafilme. Embrafilme fez uma cópia em 35mm e exibiu o filme por aí. O filme passou pelo Brasil todo. A gente não sabe exatamente por onde. Depois disso o prêmio que a gente tinha ganho nesse festival, que era material fotográfico, revelação, era um prêmio em espécie, dinheiro não tinha nada. Heitor fez um outro filme chamado Boa Noite, que é um filme também interessante que ele fez, lá na Fundação, com atores lá da Fundação das Artes. E a gente fez depois um terceiro documentário. Nesse eu participei só como produtor, ajudando. Um terceiro documentário chamado Pula Violeta, que era sobre um palhaço de Santo André chamado Estrimilique. Era um palhaço velho lá de Santo André, e tinha naquela época uns 80 anos e continuava trabalhando. A gente fez um filme sobre o Estrimilique. Então foi o meu retorno ao meio do cinema, um pouco mais levado pelo Heitor Cappuzo, que realmente era um menino muito entusiasmado, muito talentoso, tão talentoso que hoje ele está dando aula de cinema na Califórnia, nos Estados Unidos, na Universidade de Santa Mônica, e é diretor da escola de cinema da Universidade Federal de Minas Gerais.
Pergunta: Como era o financiamento para vocês fazerem esses filmes todos?
Resposta:
Era um pouco feito na base do me arruma um dinheirinho. Eu punha um pouco, o Fausto Polesi pôs um pouco de dinheiro. O cinema naquela época era relativamente barato de se fazer, não era tão caro você fazer um filme de 16 mm, porque a gente sempre rodava em 16mm. O único que foi feito em 35mm, que foi copiado em 35mm foi esse, O Estranho Sorriso, mas foi feita copiagem pela Embrafilme. Não era realmente muito caro naquela época, depois encareceu muito a produção de filmes, tanto é que as pessoas, os amadores migraram para o vídeo, antigamente também existia o super-8, mas o super-8 também ficou uma coisa meio antiga, ninguém mais tinha máquina e filmadora, então era um pouco feito na base, a gente tinha que botar um pouco de dinheiro próprio, não teve nenhum financiamento, nenhuma entidade para esses filmes.
Pergunta: Como era o Núcleo de Estudos Cinematográficos? Como era decidido o que fazer? Como era o relacionamento entre as pessoas? Como surgiu um filme dali?
Resposta:
O Núcleo lá em Santo André, na verdade, surgiu desse curso, como eu disse, que era lá na Associação dos Universitários. E a Associação dos Universitários ficou sendo um pouco a sede do Núcleo. A idéia nossa era produção, divulgação etc., mas no fim a coisa ficou um pouco só em exibição de filmes, e debates. A gente convidava o pessoal de fora às vezes, cineastas, críticos de São Paulo para vir aqui a Santo André debater filmes. A coisa tomou um tal vulto que acabou sendo encampado um pouco pela Secretaria de Cultura na época. Na época, o Secretário de Cultura, uma das pessoas que trabalhavam na Secretaria de Cultura, era o Müller de Paiva e Silva. O Müller era uma pessoa muito ligada a essa área também, e ele abriu as portas, por exemplo, da biblioteca, para a gente exibir filmes lá na biblioteca, não era essa biblioteca hoje do Centro Cívico, era uma biblioteca que existia ainda lá na Alfredo Fláquer, foi mais um ponto para a gente exibir filmes, exibimos filmes em sociedade amigos de bairro. A gente achava que era um pouco omissão levar o cinema brasileiro a todos, para todas as pessoas etc. E fomos à sociedade de amigo de bairro, e eu dei um curso de cinema aqui em São Caetano, no ACASCS, que era uma associação que tinha aqui em São Caetano também, então era uma movimentação mais de exibição e debate em torno dos filmes. Fizemos um grande festival de cinema brasileiro, não sei exatamente se foi em 1967, 1966, 1967, que a cinemateca brasileira fornecia os filmes, e a gente projetou em vários lugares da cidade. Filmes brasileiros novos, alguns filmes antigos, históricos. Havia um grande entusiasmo em torno do cinema brasileiro. Era a época que estava nascendo, que estava acontecendo o cinema novo, que estavam aparecendo novos diretores, Glauber Rocha, se destacando Nelson Pereira dos Santos, Arnaldo Jabôr, Cacá Diegues, Joaquim Pedro de Andrade, Leon Irshiman, todos esses cineastas estavam surgindo nesse período, e havia um grande interesse, porque era uma nova linguagem do cinema brasileiro que se estabelecia. O cinema brasileiro que a gente conhecia naquela época, antes do cinema novo, era o cinema da Vera Cruz, que foi um ciclo que acabou, que teve muito pouco tempo, foi de mais ou menos dez anos, que se encerrou em 1954, que era um filme de estilo europeu, com os roteiros com histórias um pouco sobre a burguesia, uma visão não brasileira do autor. Hoje a gente vê que tem muita coisa da Vera Cruz também que é interessante, mas naquela época a gente tinha um grande preconceito contra a Vera Cruz. Era um cinema que não deu certo, porque quiseram fazer um Hollywood brasileira em São Bernardo do Campo, e foi tudo para o brejo, porque eles não tinham um sistema de distribuição. Eles achavam que era só produzir cinema e pronto, e quem distribuía seus filmes eram os americanos, essas companhias distribuidoras americanas. Do outro lado, tinha o cinema da Atlântida, a chanchada carnavalesca da Atlântida, que também a gente naquela época repelia como uma coisa de segunda categoria. Hoje, dentro de uma visão mais de dentro da história, a gente vê que todas essas manifestações tiveram valor, significaram alguma coisa, representaram uma época brasileira, um pensamento, um sentimento brasileiro desse período. Mas naquela época a gente queria coisa nova, queria um cinema político, porque todo mundo, principalmente a juventude estava imbuída muito numa mudança política que a gente pensava que ia acontecer no dia seguinte. A gente achava que o Brasil se transformaria em um país socialista no mês seguinte e, quem sabe por milagre, um anjo desceria e transformaria o país. A coisa era tão utópica, que tem uma coisa que eu conto em um dos livros meus, que logo depois da Revolução de 1964, aconteceram dois fatos muito próximos comigo. Primeiro, eu morava em uma pensão, um apartamento, dividia um apartamento, e um dia às quatro da manhã bateu lá a polícia para pegar um dos meus colegas de apartamento e levar para o DOPS, porque ele tinha sido considerado um guerrilheiro do ABC. Achavam que eles estavam fazendo treinamento de guerrilha em Paranapiacaba. Não estava fazendo coisa nenhuma. E a polícia entrou, invadiu assim o apartamento à procura de armas, achando que ia encontrar um arsenal lá, e a única coisa que tinha lá era um facão velho, que alguém tinha deixado no apartamento em uma ocasião. E esse amigo foi processado na auditoria militar, correu o processo, no fim foram liberados porque realmente viram que não ofereciam nenhum risco. Mas outro fato dessa época, para vocês terem um pouco a idéia assim do clima político, logo depois da revolução, uns dois dias depois, uma pessoa que era da cinemateca brasileira e tinha relações com a gente por causa dessas exibições de filmes, me telefonou: Olha, reúna seus amigos, que eu tenho uma mensagem muito importante. Eu reuni meia dúzia de amigos, chegaram no mesmo dia à tarde, em um bar assim meio escondido, o clima estava pesado, e ela falou: Eu queria saber que armas vocês têm. Que arma?! Nem canivete a gente tinha. Então, achávamos que o Brasil seria transformado politicamente um pouco por milagre. Bom, é mais ou menos isso.
Pergunta: Vocês sofreram algo mais assim da repressão nesse período, censura? Como era com relação a esses filmes?
Resposta:
Logo depois da Revolução de 1964, quer dizer, é claro que existia já um outro regime político, mas a censura era ainda muito leve. O próprio regime militar, no tempo do Castelo Branco, era um regime militar, mas era um regime que respeitava certas liberdades etc., tanto é que durante esse período, até 1968, há um grande movimento de protesto, de querer dar a volta no jogo. É quando acontecem as passeatas. Passeata dos cem mil no Rio de Janeiro, as passeatas aqui em São Paulo, as lideranças estudantis que se projetam nesse período, José Dirceu, José Travassos, eram líderes estudantis que falavam e iam para a rua, grande movimentação. Tudo isso acontece depois da Revolução de 1964. Agora, quando o governo viu que a coisa estava realmente quente, aí tem um golpe no golpe, que foi o Ato Institucional número 5. A partir daí as coisas ficaram realmente pretas. E realmente foi uma repressão muito forte, e as pessoas, os mais radicais, vão para a luta armada. Quando nasce esse movimento de luta armada, outros se exilam, grande parte se exila, e a maior parte fica quieta.
Pergunta: Como vocês tentam driblar, na hora da produção do cinema ou no teatro, não sei se nesse momento o senhor atuou no teatro, como vocês tentam driblar esse fechamento?
Resposta:
Eu acho que toda a arte nesse período, se analisar a arte nesse período dos anos 70, é uma arte muito metafórica. É uma arte que fala por alegorias. O teatro, o cinema, a própria literatura. E não podia fazer nada direto contra o regime, então se falava através de metáforas, contava uma história do século passado, mas queria-se dizer, queria-se falar do momento. Por exemplo, a gente fez, no Grupo Teatro da Cidade, várias peças históricas, fez uma peça chamada O Evangelho, segundo Zebedeu, que era sobre os Canudos, fez uma peça sobre Aleijadinho, que era sobre a inconfidência mineira, mas através dessas metáforas históricas o que a gente queria falar realmente sobre o momento, aquele momento, sobre a luta pela liberdade, a importância da pessoa poder se expressar, tudo isso estava meio implícito nessas histórias, mas não falavam daquele momento. O teatro fez falar de cinema, o cinema também, também ficou uma linguagem muito metafórica, você vê um filme, por exemplo, Asilo Muito Louco, de Nelson Pereira dos Santos, que é baseado naquele conto de Machado de Assis, O Alienista, e você fala: Bom, mas que filme mais esquisito esse que você citou, porque não fala nada diretamente, é tudo sugerido, é tudo simbolizado. Mas é, justamente por causa dessa razão, não se podia falar nada diretamente.
Pergunta: Vocês acreditavam que fazendo produção do teatro ou cinema vocês estavam também fazendo a sua luta, diferente de quem estava fazendo a guerrilha, mas um tipo de luta. Como o senhor avalia isso hoje? O senhor acha que realmente vocês entraram pela sociedade? Eles entendiam esses símbolos, essas metáforas?
Resposta:
Eu acho que o teatro e o cinema mantiveram aceso um sentido de liberdade. Quer dizer, a coisa mais curiosa nesse período, se você analisar, um pensador refletiu a esse respeito, a direita apesar de ter ficado no poder durante quase vinte anos, praticamente não conseguiu consolidar um pensamento político. Não existe um pensamento de direita no Brasil, existe uma ação de direita, eles fizeram, tomaram medidas, mas não conseguiram uma ideologia, formar uma ideologia de direita. Então, a esquerda sempre se manteve tentando botar o nariz para fora da água, tentando falar, debater, se comunicar, das formas possíveis que existiam nesse período. Graças a isso é que você chega a um momento em que o regime militar sente que não tem mais condições de se manter. O governo militar se abre, um pouco porque não sabiam mais o que fazer com o abacaxi, mas um pouco também porque existia muita pressão, por anistia, pressão por liberdade de expressão, tudo isso. Então, as artes se mantiveram nesse período numa posição sempre de resistência. Alguns pagaram caro esse preço dessa resistência. A fundadora do Grupo de Teatro de Santo André, que é Heleni Guariba, é uma das desaparecidas políticas, que dizer, uma pessoa que desapareceu, em 1971, e nunca mais ninguém soube onde, quando, em que circunstância. Outros se exilaram, outros sobreviveram, muitos não sobreviveram nessa luta, mas foi graças a isso que se manteve a vontade política de um Brasil diferente, de um Brasil livre.
Pergunta: O senhor teve alguma participação no teatro, na Sociedade de Cultura Artística, no teatro de alumínio?
Resposta:
Eu não tive uma participação direta lá. A Sociedade de Cultura Artística foi fundada em 1954, se eu não me engano, quer dizer, ela é bem mais anterior à minha vinda aqui para o ABC. Eu conheci depois o pessoal da Sociedade de Cultura Artística. Até aconteceu uma coisa muito interessante: a pessoa que era mais ligada à sociedade de cultura artística, era Antonio Chiarelli, que foi o cara que fundou a sociedade, que manteve o teatro amador em Santo André ativo por muitos anos, e um dia ele ficou muito amigo meu, era muito amigo do Chiarelli, e um dia eu vou à casa dele e ele já estava meio velho, estava um pouco decepcionado com as coisas, foi uma fase muito difícil na vida dele, do ponto de vista pessoal também, ele tinha uma loja de comércio pequena que naquela época já não tinha muito futuro, e ele me chamou no fundo da casa dele e falou: Zé, eu tenho umas caixas aqui com coisas do teatro, você quer para você? Eu quero. Ah! então leva. Eu peguei uma caixa assim cheia de papel, programa, levei aquilo para casa e comecei a ver o que era, e era a história do teatro de Santo André. Estava naquelas caixas. E foi baseado nesses documentos que eu escrevi o meu primeiro livro. Eu escrevi um livro sobre o teatro em Santo André, de 1944 a 1968. Eu peguei aquele material, limpei, cataloguei, baseado naquilo fui pesquisar outras coisas, e consegui levantar tudo o que se fez no teatro de Santo André, de 1944 até 1968. Pode ter escapado alguma coisa, mas é difícil.
Pergunta: Fala um pouquinho da sua trajetória também no teatro. Como foi? Somando também a essa questão do teatro, o senhor poderia falar um pouquinho do tempo em que o senhor foi presidente da Federação de Teatro Amador? A gente também teve a entrevista da dona Lúcia Vezzá, foi antes ou depois?
Resposta:
Foi depois da Lúcia, eu substitui a Lúcia. Eu a substituí. Depois da Lúcia, eu fui o presidente da Federação. O teatro amador era muito ativo naquele período, existiam muitos grupos em Santo André, em São Caetano, em São Bernardo, até na cidade de Diadema às vezes aparecia um outro grupo, Ribeirão Pires, mas os mais fortes eram Santo André, São Caetano e São Bernardo. E naquela época existia uma estrutura estadual de apoio ao teatro amador, não sei se a Lúcia mencionou isso, chamava-se Confederação Estadual de Teatro Amador. Essa confederação proporcionava meios financeiros para esses grupos montarem espetáculos. Não eram verbas fantásticas, vamos dizer que desse cinco mil reais para um grupo montar uma peça, dava para você fazer a produção da peça, comprar material para fazer figurino, cenário, essas coisas, e além desse apoio financeiro para a produção das peças, eles proporcionaram duas outras coisas: eles contratavam profissionais que iam ao interior, às cidades do interior, isso era no Estado de São Paulo inteirinho, iam para o interior e davam cursos para os grupos de teatro amador, para melhorar o nível desses grupos, e anualmente eles realizavam o Festival Estadual de Teatro Amador, que reunia elencos do Estado de São Paulo inteirinho. Agora, isso era feito em três fases e muito bem organizado. Primeiro tinha a fase regional, quer dizer, aqui, por exemplo, o Estado era dividido em várias regiões, o ABC era uma região, baixada santista era outra região, São Paulo, a cidade de São Paulo era outra região, Ribeirão Preto e Alta Mogiana era outra região, Campinas, e assim por diante. Então se realizava o festival regional, depois várias regiões, três ou quatro regiões, os melhores das três ou quatro regiões faziam outro festival, e dessa semifinal saía a final com os melhores do Estado, e dessa era escolhida a melhor peça do Estado de São Paulo. Santo André ganhou duas ou três vezes o prêmio de melhor espetáculo amador do Estado de São Paulo, Santo André ganhou. Então, foi nesse período, que foi um período muito bom, que apareceram bons diretores aqui, que organizaram os grupos, Jonas Bloch foi um, Roberto Linhati foi outro diretor, depois teve o Delso Mostasso. Então, isso daí proporcionou realmente uma elevação do nível do teatro amador nesse período. E tinha uma outra coisa no teatro amador aqui que é muito interessante de dimensionar. Eu estava falando dessa questão da censura, da política etc. O teatro amador, como era menos visível, às vezes ele era mais ousado que o teatro profissional, em matéria de denúncia política, em matéria de idéias políticas, porque o teatro profissional, se alguém fizesse em São Paulo, claro que chamaria muita atenção, mas como o teatro amador faz a coisa meio escondida, apesar que naquela época existia a obrigatoriedade da censura, você fazia o espetáculo, antes de você fazer o espetáculo para o público, você fazia o espetáculo para o censor, o censor vinha, sentava sozinho, você fazia o espetáculo, ele fazia a censura do espetáculo, proibia ou deixava para tantos anos, etc., além de se ter feito, antes disso era feita a censura do texto. Quando você queria montar um espetáculo, a primeira providência que você fazia, era mandar o texto para a censura, aí vinha o texto censurado dizendo: Proibido, ou senão, para maiores de dezoito, para maiores de catorze, senão livre. Aconteceu com o Grupo de Teatro da Cidade, em uma ocasião o grupo resolveu montar um espetáculo, e não só montar o espetáculo, como também escrever em conjunto o espetáculo, fazer uma criação coletiva. Então se pensou o que seria o assunto mais interessante, e por alguma razão surgiu a idéia de fazer um espetáculo sobre a Revolução de 1932, Revolução Constitucionalista de 1932. Então a gente chamou, todo mundo participava, todo mundo leu a respeito, trouxe histórias, pesquisou, e chamamos um dramaturgo, naquela época muito conhecido, Carlos Queiroz Teles, para fazer uma redação final dessa história, fazer uma peça. E ele pegou uma idéia aqui, outra lá, outras idéias dele mesmo, e escreveu uma peça sobre a Revolução de 1932. Chamava-se A Heróica Pancada. Aí a primeira providência, manda-se a peça para Brasília. Voltou totalmente vetada, porque era uma peça que falava muito de Getúlio Vargas, Getúlio era o personagem principal da Revolução de 1932, e evidentemente o Getúlio era uma figura, o Getulhismo era uma coisa meio visada durante o governo militar, porque o Jango, que tinha sido derrubado pelo governo militar, tinha sido um sucessor do Getúlio, de certa forma. Então veio totalmente vetada a peça. O teatro amador tinha essa vantagem, falar um pouco, com um pouco mais de liberdade para uma platéia diferente, uma platéia não de um grande público, mas fazia seu trabalho nos bairros, nas escolas, nos festivais. Era um movimento muito bem organizado. Por volta de 1978, houve uma crise nessa organização, e eu estava afastado, e eu sei que tiraram a pessoa que era o cabeça dessa Confederação, que era o Carlos Pinto, que por sinal hoje é o Secretário de Cultura da cidade de Santos. O Carlos Pinto foi afastado porque fizeram uma política lá, achavam que ele era um cara que estava muito tempo no cargo, que nunca mudava, e saiu. Ele saiu e se desarticulou esse movimento estadual, se desarticulou completamente. O teatro amador continua a existir, mas não com essa característica, era muito enriquecedor, porque você tinha a possibilidade de ver um espetáculo feito em São José do Rio Preto, eles viam um feito aqui em Santo André, via do pessoal de Santos, do pessoal de Ribeirão, de Marília, de Bauru, do estado de São Paulo inteirinho. A gente ia a esses festivais e era muito animado também para a gente, era um grande programa. Você ia lá naqueles festivais, muito do jeitão estudantil, ficava hospedado daquele jeito que estudante fica, mas valia a pena porque era muito gostosa essa convivência desse meio estudantil. Até houve um ano que Santo André tinha ganho o melhor espetáculo do Estado, que foi um espetáculo chamado As Aventuras de Ripió Lacraia, era uma peca do Chico de Assis, dirigida pelo Jonas Bloch, eu acho que era a Fundacen, não tenho certeza se era a Fundacen, organização do governo, organizou em Fortaleza os melhores do Brasil. Então, foram os melhores espetáculos de cada Estado. Imaginem a gente ter a possibilidade de ver espetáculo do Brasil inteiro. Tinha esse intercâmbio. Hoje existem festivais, como o de Londrina, que é muito famoso, existe o festival de teatro de Rio Preto, existe até hoje, mas lá já é uma outra característica, eles convidam espetáculos, são espetáculos profissionais na maioria, não existe nada parecido no teatro amador, que eu conheça.
Pergunta: O senhor participou daquele festival de Buenos Aires? O senhor estava no grupo? Podia contar como foi?
Resposta:
Eu estava no grupo. Eu não podia ir ao festival, porque eu trabalhava na época e não podia me afastar. Mas eu participei, quer dizer, participei de todos os encaminhamentos para o festival nessa época, mas não fui, eu não fui a Buenos Aires.
Pergunta: Fala um pouco do seu trabalho hoje, depois do cinema, depois do teatro. Como estão o teatro e o cinema hoje em sua vida?
Resposta:
Eu acabei como todo cara que começa a trabalhar, achava que eu podia fazer sempre as duas coisas. Fazer, ter a minha vida profissional, que me desse uma certa estabilidade econômica, e ter a vida, a minha vida de jornalismo, de teatro, cinema etc. Durante um certo tempo eu consegui manter essa dualidade. Eu cheguei uma época, por exemplo, a trabalhar na Firestone. Trabalhei na Firestone depois que saí da Rhodia, lá na Firestone até as seis da tarde, saía da Firestone ia para o Diário do Grande ABC, trabalhava no Diário do Grande ABC das seis até meia-noite. Quer dizer, quando você tem vinte e poucos anos você tem fôlego para isso. Depois você vai se envolvendo na vida profissional, e eu acabei um pouco consumido muito pela minha própria vida profissional. Mas quando eu resolvi parar, eu voltei a mexer com teatro mais diretamente. Eu fui fazer pós-graduação, mestrado em teatro, eu morava no Rio nessa época, eu fui fazer mestrado de teatro na UNIRIO. Fiz o mestrado de teatro na UNIRIO, e aliás, a minha dissertação do mestrado foi sobre o Grupo Teatro da Cidade, era até um assunto que eu conhecia bem, que eu dominava bem, então foi sobre o Grupo Teatro da Cidade. Voltei do Rio, e na verdade eu mudo um pouco, meus interesses mudam um pouco, vocês próprias viram pela entrevista. Eu já estive em cinema, teatro, comecei com literatura, é uma certa inquietação. Tem um amigo meu que diz que quem tem sete instrumentos não tem nenhum. Acho que é o meu caso. Mas eu sempre gostei também de artes plásticas, eu sempre gostei muito de artes plásticas e resolvi fazer, e agora estou fazendo um mestrado na USP de história da arte, e escrevi um livro sobre um artista plástico de Santo André, organizei um livro, que é o Guido Poianas, é um artista muito interessante de Santo André, é um artista popular, que pintou a cidade, os recantos da cidade, e a pintura dele é quase que um documentário das transformações urbanas de Santo André. Agora terminei um livro sobre um outro pintor, que é também de Santo André, por acaso, sempre estou ligado a Santo André, acho que esse daí é meu destino, meus filhos todos nasceram em Santo André, e terminei um livro sobre o João Suzuki, que é um pintor, é um nissei, mas mora em Santo André há muitos anos, mora há quase quarenta anos em Santo André ou mais, e estou escrevendo um outro livro agora sobre um pintor de Campinas, trabalhando em uma outra pesquisa, estou pesquisando, que eu também, quando estive em Campinas, quando estudei lá, tive muito contato com os pintores do grupo Vanguarda, que é um grupo que se tornou muito importante lá em Campinas, e a minha dissertação na USP vai ser sobre esse grupo de Campinas, com foco em um determinado pintor do grupo. Então, é isso o que eu estou fazendo agora.
Pergunta: O senhor pode dizer que vive dos seus livros?
Resposta:
É, não vivo bem dos meus livros, mas vivo nos livros, fazendo os meus livros. [risos]
Pergunta: Tem alguma coisa que o senhor queira deixar registrado sobre o seu trabalho? Para fechar a sua entrevista, o senhor poderia deixar uma mensagem ou alguma coisa com que o senhor queira fechar o depoimento?
Resposta:
Não, nada específico não. [risos] Não tenho nada a declarar aos jovens. [gargalhadas] O que você diria aos jovens? [gargalhadas]
Pergunta: Alguma coisa a mais que o senhor queira falar, que não falou?
Resposta:
Não, acho que foi bastante, a gente cobriu várias atividades. Eu acho que, se eu faço um balanço da minha vida, eu tenho um certo arrependimento às vezes, mas essas coisas não têm muito um sentido. Se eu tivesse me dedicado talvez mais diretamente a esses assuntos, não me tivesse dividido tanto, talvez eu pudesse ter produzido mais coisas. Então, a mensagem para os jovens que eu deixaria é que não deve ter medo das coisas que a gente gosta de fazer. Acho que tem que se lançar, tem que se lançar e fazer mesmo. Eu apóio muito os jovens que se lançam com muita coragem em atividades que nem sempre dão um retorno imediato, um retorno econômico muito garantido. Mas acho que a pessoa que é persistente, se for boa, faz. Então, eu penso às vezes: eu não fiz porque eu não devia ser muito bom, então por isso que eu não fiz.